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No Brasil, pessoas com deficiência ganham o direito de frequentar as escolas

Os 45 milhões de brasileiros com alguma deficiência têm agora o direito de estudar nas escolas regulares, como isso afetou as instituições?  

Por Gabriela Ferreira

Recentemente a palavra inclusão tem estado presente na nossa sociedade, inclusive na educação. Há alguns anos, as pessoas com alguma deficiência/limitação física ou psicológica não tinham acesso à educação, muitas eram internadas em hospitais psiquiátricos e deixadas lá, sem tratamento, assistência ou estudo mais aprofundado dos casos. Hoje sabe-se que na maioria dessas situações, o paciente poderia ter tido uma assistência completamente diferente afetando também o rumo da sua vida.

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Essas especificidades foram sendo estudadas mais a fundo com o passar do tempo, uma delas é o autismo

Tais estudos trouxeram para a sociedade noções importantes sobre o transtorno, o que abriu caminhos para novos tratamentos e instigou profissionais das áreas da saúde a dar mais atenção ao autismo, já que a cada nova descoberta sobre o assunto via-se que o transtorno era um problema bem diferente do que se acreditava.

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Com todas essas descobertas, foi-se percebendo a importância do contato dos autistas com as pessoas neurotípicas (que não possuem nenhuma deficiência ou limitação) e a partir daí surgiram lutas a favor dos direitos das pessoas com o transtorno. Depois de anos de estudos, em 2016 entrou em vigor no Brasil a LBI                      , a lei que permite - e obriga - que toda e qualquer escola do país aceite crianças especiais. A importância dessa lei é indiscutível, mas, o que vai ser questionado aqui é: as escolas estavam preparadas para cumprir com a nova norma?

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Com a aprovação dessa lei, tanto as escolas particulares quanto as públicas foram obrigadas a receber toda e qualquer criança com alguma deficiência, e caso a escola se negue a aceitar alguma delas, terá que pagar multa. A lei foi um avanço, porém temos pontos a analisar nesta conquista, um deles é a metodologia de ensino do nosso país. No Brasil, a maioria das escolas está preocupada com números e não com uma educação humanizada.

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Para que a inclusão realmente aconteça é necessário mais do que a aprovação de uma lei. A metodologia de ensino das escolas brasileiras teria que passar por uma grande reforma, assim como a formação dos pedagogos e professores. Andréa Aires que é psicopedagoga clínica e escolar, graduada em fonoaudiologia e mestra em educação explica que a lei deveria ser mais detalhada sobre certos aspectos, como o quanto de investimento as escolas devem fazer para se adaptar à essas crianças especiais. Diz ela também que a lei peca ao não entrar em detalhes sobre os deveres da escola enquanto o “instrumento” que vai trabalhar essas deficiências e sobre as ações das famílias. Por exemplo, as escolas podem permitir acompanhante para a criança autista quando houver necessidade, mas quem vai definir essa necessidade, a própria escola? Já as famílias podem acabar atrapalhando o desenvolvimento da criança fazendo exigências que talvez não sejam necessárias.

Tudo é muito delicado nesse meio por ser algo novo, para os pais que estão ávidos para a inclusão de seus filhos na sociedade através das escolas, para as escolas que estão tendo que se readaptar em tudo para receber essas crianças e para as crianças que pela primeira vez estão tendo oportunidade de serem tratadas como as outras. Andréa, que trabalhou com questões de TEA e atua na psicopedagogia em uma escola particular do estado, diz que essa adaptação das escolas é bem complicada e se divide em subtemas, “A gente tem que partir do princípio que a primeira adaptação tem que ser da perspectiva da formação, é a coisa da sensibilidade de quem trabalha com a pessoa, a pessoa em desenvolvimento, seja ela criança, adolescente ou adulto, porque se a gente falar de uma perspectiva de ensino superior,essa área também tá passando por esse processo. Essa adaptação requer uma formação que não é formação só de informação, mas é uma formação que mobiliza sentimentos, é uma formação que mobiliza atitudes que não são comuns, hábitos, reorganização, planejamento. Não é só o planejamento didático pedagógico, mas, a noção de planejamento, aquilo que eu planejo e nem sempre dá certo porque agora os imprevistos são maiores porque eu tenho aquele aluno com necessidades especiais dentro da sala.”   

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"Essa adaptação requer uma formação que não é formação só de informação, mas é uma formação que mobiliza sentimentos..."

Andréa Aires

Psicopedagoga

Outra mudança necessária nas escolas para que a inclusão realmente aconteça seriam as questões físicas. As salas de aulas, que geralmente comportam 30 ou mais alunos, teriam que reduzir esse número de crianças por sala quando houvesse alguma especial, pois é quase impossível trabalhar com esse aluno e ainda dar conta de todos os outros, que apesar de não terem alguma especificidade, são pessoas, e qualquer pessoa tem suas questões, que querendo ou não são levadas com você aonde você for, inclusive à escola. Então, os professores têm que se desdobrar dentro da sala de aula para dar assistência ao seu aluno especial, aos demais alunos e passar a matéria exigida pela escola, uma responsabilidade pesada demais.

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Também seria necessária uma mudança na estrutura curricular e uma flexibilização no material didático. Como o autismo tem seus vários graus ele também tem seus vários tratamentos, é importante ressaltar que nenhum autista é como outro, o transtorno vai se apresentar de uma maneira X em cada pessoa, o que dificulta mais o tratamento. Por o autismo não ter uma manifestação linear em todos os que o apresentam, não há um único tratamento, por isso, seria ideal que houvesse nas escolas umas educação especializada para cada criança, o caso dela seria estudado e a partir disso seria desenvolvido um método de ensino específico para ela. Um ideal quase que utópico, mas seria o método mais correto para tornar a inclusão mais concreta. Andréa reconhece que essa não é uma tarefa fácil de ser cumprida “É um planejamento que os professores, de forma geral, ainda não sabem fazer e que as estruturas do sistema escolar que a gente tem hoje, dificultam”, reitera.

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Os professores assumem suas dificuldades em sala de aula desde que a lei foi aprovada, Maria Joelia Rocha, que é professora de  uma escola particular, diz que na primeira escola em que trabalhou já teve contato com crianças autistas e que sentiu grande dificuldade de incluí-las, tanto porque a instituição não lhe dava assistência (além de não ter avisado previamente que a criança tinha uma limitação) como porque a família tinha muita dificuldade de aceitar a condição da criança. Pela dificuldade que ela encontrou e sua inexperiência, optou por sair da escola. Foi para outra escola e também teve alunos autistas “ Eu senti muita dificuldade porque eu não era experiente, não sabia muito sobre o assunto, passei a ler mais pra poder trabalhar mais com essas crianças…”. Já Renata Sampaio, que é professora de escola pública também diz ter dificuldade em trabalhar com essas crianças e suas especificidades “quando a criança necessita de um olhar diferenciado, a gente precisa de um apoio que infelizmente nem sempre a gente tem. E não é só uma criança geralmente, são várias, eu tenho turma com 5 crianças que preciso trabalhar mais diretamente com elas e infelizmente eu não tenho como fazer esse atendimento direcionado como eu gostaria porque sou só eu, tendo que lidar com todas essas diferenças. Além dos conflitos dos alunos que precisam desse olhar diferenciado, ainda tem os conflitos dos outros alunos que também são crianças, então sempre vai ter.” Renata também alerta que a formação que a graduação em pedagogia fornece nesse aspecto (especificidades, transtornos, etc) não é suficiente 

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Não podemos negar que a LBI foi um grande e importante pontapé inicial para a inclusão no nosso país, mas, para que o que a lei cumpra com o que foi estabelecido, só ela entrar em vigor não é suficiente. É necessário reconhecer que não são só os pais de crianças autistas que têm dificuldade de encontrar boas escolas para seus filhos, mas a escola e os professores também têm dificuldade de receber essas crianças. São anos na história da educação do nosso país em que as escolas estão mais preocupadas com resultados numéricos do que com resultados realmente humanos. Precisamos de uma reestruturação geral para que essa sociedade inclusiva comece a engrenar, não só de estrutura curricular mas também de pensamento, como Andréa Aires coloca para nós “É uma reforma muito maior do que a reforma que a Base Nacional Curricular traga. É uma reforma de sistema que vai de ponta à ponta, desde a educação infantil, a creche, o berçário até o ensino superior, a entrada desses meninos que saem do ensino fundamental e médio para o ensino superior. Outro aspecto que a gente precisa considerar ai no direito também, é que a consciência que a sociedade como um todo toma, também faz com que as mudanças aconteçam”.

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