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MAMÃES ESPECIAIS 

Como as mães de crianças com TEA lidam com seus filhos e com o mundo neurotípico ao seu redor 
Por Ana Cristina e Gabriela Ferreira

I - Mãe ao quadrado 

Lorena (nome fictício) adotou gêmeos, dois meninos saudáveis que fizeram o seu sonho de ser mãe virar realidade. Idas e vindas ao pediatra, rotina normal na vida das crianças, quando surge uma desconfiança de que haveria algo diferente no desenvolver dos  pequenos.

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Muita agitação, gritos, uma certa lentidão na fala, seria normal? Apesar de alguns médicos afirmarem que os meninos seriam hiperativos, a mãe continuou a busca por uma resposta nos consultórios para, finalmente, receber o diagnóstico de um médico neuropediatra que iria mudar a vida dela e dos gêmeos: seus filhos são portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

 

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Lorena, 46 anos, empresária, sem experiência com a maternidade,  se viu diante de duas crianças de dois anos de idade, com um diagnóstico de um transtorno ainda desconhecido para ela. A mãe conta que não fazia ideia de como seriam suas vidas daquele dia em diante, e o medo invadiu o seu coração. “Foi difícil entender como lidar com a condição  dos meninos e explicar para a família e os amigos sobre os sintomas, cuidados e tratamentos especiais que nem eu sabia direito”, diz a mãe. Desde o diagnóstico, já se passaram quatro anos e as crianças estão atualmente incluídas e estudando em um colégio particular, no qual Lorena os matriculou sem nenhum problema. Ela desconhecia o fato dos meninos serem autistas e, após a confirmação do diagnóstico, informou ao colégio, que não fez qualquer objeção à presença dos alunos em sala de aula.

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Apesar de seus filhos estarem matriculados desde o maternal na escola em que ela estudou, uma instituição da rede Salesianas, e serem atendidos por um acompanhante terapêutico contratado pela escola, com o passar dos anos algumas dificuldades começaram a surgir, levando a mãe a buscar o estabelecimento de ensino para tentar resolvê-las.

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Lorena acha que  somente um acompanhante terapêutico não é o suficiente, por serem duas crianças portadoras de necessidades especiais. A mãe já pediu à direção da escola a contratação de mais um acompanhante e já decidiu que,  caso não seja atendida, se verá obrigada a levar uma das crianças para outro colégio, decisão que vai resultar na separação dos seus filhos no ambiente escolar.

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A lentidão no desenvolvimento dos pequenos, atualmente com 6 anos, é observada em pequenos sinais, como o fato de ainda não conseguir manusear um lápis ou soletrar. A mãe questiona se a falha é do colégio ou, talvez, da família, que não está suficientemente preparada para enfrentar as necessidades dos filhos, e prossegue lamentando que, em uma  sociedade impregnada de preconceitos, é difícil falar sobre qualquer coisa que torne alguém diferente. Ela diz que tem muito orgulho dos meninos e que vai fazer de tudo para que os filhos tenham uma vida digna e sempre cheia de amor.

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A disposição dessa mãe para garantir o direito à inclusão dos seus filhos tanto num colégio onde possam receber uma educação digna, quanto na sociedade, para serem  respeitados e aceitos com suas limitações, serve de inspiração aos pais, tutores e responsáveis. A mensagem que fica é: não hesitem em lutar pela inclusão de seus filhos. A dignidade deles está resguardada em lei, cabendo a cada um a fiscalização e a luta pelo cumprimento do que determina a norma, sempre com o intuito de garantir o respeito e uma vida digna para essas pessoas. O autismo, apesar de ser uma condição antiga, passou a integrar a classificação internacional de doenças do OMS (Organização Mundial da Saúde) somente em 1993.

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II - Amor que cura 

Nada é fácil para quem tem um filho autista e precisa dar assistência a essa criança, muitas vezes é necessário que essa mãe ou pai abdique de sua vida para se dedicar exclusivamente ao filho. Fernanda Lima, 31, é uma dessas mães, que desde que Davi Vitor nasceu se divide entre cuidar do seu filho Davi e trabalhar como autônoma, principalmente depois de o garoto ser diagnosticado com TEA. Davi, que hoje tem 8 anos, já acumula algumas lutas no seu pequeno tempo de vida. Desde muito novo, Davi procura se encaixar em uma escola, e Fernanda - sua mãe - não cessa sua busca por alguma instituição que realmente inclua seu filho e consiga trabalhar suas dificuldades para que ele obtenha algum avanço e um pouco de independência.

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“...as escolas falam sobre a inclusão e na verdade não existe inclusão"

Fernanda Sobrenome

Mãe de criança autista

Hoje, Davi estuda em uma escola particular, mas Fernanda ainda não acha que essa seja a melhor escola para o garoto, assim como ela também acha que a verdadeira inclusão está um pouco longe de acontecer “...as escolas falam sobre a inclusão e na verdade não existe inclusão, eles só matriculam as crianças pra dizer que elas estão incluídas, só que as escolas não estão adaptadas para receber esse tipo de criança.” Fernanda sabe que para que seu filho seja incluído nas escolas seriam necessárias adaptações nas atividades e bastante uso do lúdico, mas relata que em quase nenhuma escola que passou até hoje encontra esse tratamento para com Davi. Isso inclui escolas públicas e particulares, pois seu filho já teve experiência nas duas e ela não sentiu conseguiu confiar no trabalho de ambas “Nenhuma das duas está apta a receber essas crianças, a inclusão que eles falam é só matriculá-los lá e eles acham que isso é a inclusão, só que ao meu ver, não é”, reitera.

Fernanda está sempre em contato com outras mães de crianças com TEA e sempre trocam informações, sobre os avanços de seus filhos e sobre escolas que fazem um bom trabalho com crianças especiais. Ela também alerta que achar um escola para uma criança autista não é tão simples porque cada autismo se manifesta de uma forma “nenhum autista é igual ao outro, têm filhos de amigas minhas que conseguem se destacar, tem outros que não conseguem nada assim como o meu, mas que a gente não deixa de lutar e lutar pelos direitos deles”. Davi, por exemplo, que já tem 8 anos ainda não é alfabetizado e não sabe pegar nem no lápis, mesmo tendo passado por duas escolas. Segundo Fernanda, ele conseguiu evoluir mais depois que começou o acompanhamento com uma psicopedagoga disponibilizada pela Casa da Esperança (órgão sem fins lucrativos que disponibiliza assistência para crianças com TEA) e diz que sem um psicopedagogo não existe inclusão porque as crianças não conseguem nenhum avanço.

Ainda sobre as escolas, Fernanda acha que falta formação à respeito do autismo, para a escola, para os professores e para as famílias, pois há um preconceito por parte dos pais das crianças neurotípicas que não conhecem nada, ou muito pouco sobre o assunto e não conseguem conviver bem com a condição dessas crianças “... nós que somos pais de crianças especiais sentimos muito na pele, é como se as nossas crianças fossem um bichinho papão ou um bichinho de sete cabeças para aquele mundo das crianças neurotípicas”, o que dificulta e muito a inclusão, pois na perspectiva de Fernanda, as crianças neurotípicas também precisam ajudar para que as crianças autistas sejam inseridas. A mãe, que faz parte de uma associação (Pintado o sete azul) em prol de crianças com TEA, diz que já se ofereceu algumas vezes para levar pessoas que entendem bem do assunto para discorrer sobre na escola “... é algo que eu sinto muita falta também, de instrução, conversas, palestras. Tanto é que sempre deixei aberto na escola que meu filho estuda que se eles quiserem, eu tenho pessoas que podem ir lá, que podem dar palestras, que podem conversar, que podem esclarecer o assunto, pra gente se sentir até mais a vontade, mais acolhida”.  

"...é como se as nossas crianças fossem um bichinho papão ou um bichinho de sete cabeças para aquele mundo das crianças neurotípicas

Fernada Sobrenome

Mãe de criança autista

Fernanda se entristece, pois sabe que assim como Davi, há muitas outras crianças que buscam por educação inclusiva e pais que esperam encontrar uma escola que atenda às suas expectativas. Existem algumas instituições que Fernanda sabe que seriam ótimas para Davi, mas é um investimento muito alto que ela lamenta por não poder fazer agora, apesar das dificuldades que lhe são postas, ela não deixa de acreditar que ainda vai encontrar um bom lugar para seu filho, que vai conseguir fazer com que ele avance e conquiste sua independência “Mas eu continuo na luta, busco todos os dias melhoria pra ele, não me canso, sempre estou em constante aprendizado, sempre eu mesma vou, leio as coisas, tento ficar por dentro e são assim meus dias, tentando levar o melhor (para ele)”, o amor por seu filho lhe mantém em movimento.

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